
“TINHA TODA UMA FREGUESIA EM «ESTADO DE SÍTIO» À MINHA ESPERA!”
GF: Os escalões inferiores do nosso futebol são conhecidos, infelizmente, pelas parcas condições de segurança nos jogos que se disputam. Lembra-se de algum episódio em que tenha temido pela vida, ao arbitrar um jogo desses escalões?
JS: Lembro-me de um episódio: foi num dia 30 de Dezembro (confesso que não me lembro do ano…), em que apitei uma partida entre o Progresso e o Mindelo. O jogo disputou-se às 21h30m no Campo do Progresso. Após o final do jogo – já passava da meia-noite – fui informado pelo comandante da força policial de que tinha centenas de pessoas à minha espera para, e estou a citá-lo, não me deixar entrar no novo ano. O que é facto é que, quando saí do balneário, verifiquei que era mesmo verdade! Era toda uma freguesia em “estado de sítio”, à minha espera! Teve que ser chamada a polícia de intervenção (coisa que eu nunca tinha visto num jogo de futebol…) para nos tirar de lá, mas acabou por correr tudo bem. Fomos retirados em segurança do campo, sem sermos minimamente beliscados, e é apenas um episódio que recordo com alguma tristeza.
GF: Há poucos árbitros para muita procura. Isto quer dizer que tem havido uma má gestão das camadas de formação da arbitragem jovem? Não há moralização suficiente para incentivar os jovens a enveredar por esta actividade ou manter os que já lá estão inseridos?
JS: Hoje em dia, para tudo na vida, é necessário um bom trabalho de marketing. Portanto, para se ter sucesso no que quer que seja, é preciso trabalhar arduamente à volta de um projecto para que este possa singrar. A arbitragem sempre foi vista como o parente pobre do futebol, já o disse, e a impressão que as pessoas têm é a de que ir para árbitro é quase uma ofensa, uma vergonha. Infelizmente, ainda hoje existe esse paradigma. Há, de certa forma, pouco trabalho, e estou à vontade para o dizer. Ser árbitro não é aquilo que as pessoas pensam, bem pelo contrário. Eu tinha essa ideia quando estava a tirar o curso, e, 14 anos depois, só posso dizer que a arbitragem não é aquilo que as pessoas pensam. Mas, em função dessas mesmas reacções, sim, é um facto de que tem havido pouco trabalho à volta do patrocínio da verdadeira imagem da arbitragem.
“CRISE NA ARBITRAGEM NACIONAL? NÃO VEJO PORQUÊ…”
GF: A arbitragem nacional vive um momento de crise?
JS: Não, não sei porquê! É certo que, num passado algo recente, perdemos grandes referências na nossa arbitragem: num período de 3, 4 anos, perdemos seis árbitros que eram autênticas referências no futebol nacional. Mas, actualmente, temos um quadro de árbitros muito jovem em comparação com os campeonatos profissionais de Espanha, Inglaterra, Alemanha e Itália! O nosso quadro é o mais jovem, de longe, em relação a todos os outros países, o que nos permite ver que temos ainda uma grande margem de progressão e muito para evoluir. Penso que podemos estar satisfeitos e contentes pelo facto de o nosso futebol estar bem entregue aos árbitros que temos, hoje em dia.

GF: Os árbitros deveriam expor-se mais à opinião pública, falar mais com a comunicação social?
JS: Não vejo qualquer problema nisso. Os árbitros são uma parte interveniente no mundo do futebol, tal como os dirigentes, treinadores e jogadores, mas o que é certo é que se olha para os árbitros como pessoas quase impossíveis de atingir, fechadas num mundo próprio e imunes a tudo. As coisas não são assim! Veria com muito bons olhos que os árbitros pudessem falar de uma forma aberta e de uma forma franca com a comunicação social. Quanto mais não fosse, para mostrar o lado humano da arbitragem e para que as pessoas percebessem que um árbitro é uma pessoa que tem, tal como um jogador, de ser capaz de fazer o seu melhor.
GF: Caso pudesse, votaria a favor da criação de um Conselho de Arbitragem Nacional, fora da esfera de influência tanto da FPF como da LPFP?
JS: Não disponho de dados objectivos que me permitam responder a isso…
GF: Identifica-se com os objectivos e metas traçadas pela actual CA da LPFP?
JS: Plenamente! Todos estão determinados em conseguir uma melhor arbitragem, um futebol de melhor qualidade e tudo o que venha beneficiar este desporto é bem-vindo. Dessa forma, claro que sim, identifico-me perfeitamente com os objectivos que estão definidos pela CA da Liga para esta época.
“O DIRIGISMO DESPORTIVO NÃO ESTÁ BEM SERVIDO”
GF: Temos bons dirigentes desportivos em Portugal?
JS: Podíamos ter melhores… Essa classe tem evoluído. No entanto, é preciso dizer que, ao contrário do que muitos dirigentes apregoam, não são os árbitros a razão de todos os males no nosso futebol. Não digo isto para tentar defender a minha classe, mas, se há uma área que não está bem servida, o dirigismo desportivo é uma delas. Vêem-se as coisas com muito clubismo e nem sempre o que acontece é feito com base na verdade… Há interesses superiores que é preciso defender e, para isso, não se hesita em prejudicar a arbitragem. É um facto que a qualidade desse sector tem melhorado mas a verdade é que ainda não está no patamar que possamos considerar de «Bom». Acredito, no entanto, que havemos de lá chegar…
“ESPERO QUE O «APITO DOURADO» ACABE, DE VEZ, COM A SUSPEIÇÃO À VOLTA DO FUTEBOL PORTUGUÊS”
GF: Que comentário lhe merece todo o processo "Apito Dourado"?
JS: Se calhar foi um mal necessário… Veio abalar o futebol português, é certo, mas volto a dizer que espero que tenha sido um mal necessário para trazer mais transparência, mais verdade e mais credibilidade ao futebol. Se no final de todo este processo o futebol tiver mais credibilidade, ficarei muito satisfeito. Independentemente de haver pessoas punidas ou não, o mais importante é que toda esta suspeição que paira sobre o futebol português desapareça de uma vez por todas.

GF: O que é ser árbitro?
JS: Uma paixão, uma vocação, algo que só quem passa por esta área pode descrever. Como já tive oportunidade de dizer, vim para isto sem querer, pois nunca me passou pela cabeça ser árbitro. A verdade é que, ao fim de cinco jogos, estava já viciado nisto! O que posso dizer é que a arbitragem é uma paixão tremenda… Se quem vier para a arbitragem gostar minimamente de futebol, garanto que é meio caminho andado para gostar desta área.