quinta-feira, 25 de outubro de 2007

ENTREVISTA GAZETA DO FUTEBOL

3ª Parte

JAIME PACHECO


"O BOAVISTA ESTÁ NUMA FASE MÁ"


PATRÍCIA MARTINS



GAZETA DO FUTEBOL: Como avalia o actual momento do futebol português?

JAIME PACHECO: Acho que o futebol português está carenciado de algumas coisas, tal como a própria sociedade. Vivemos numa sociedade em que “são mais as vozes do que as nozes”. No futebol também é um bocado assim. Há muita ilusão em relação a tudo e devemos ser mais realistas com o nosso futebol. Nós poderíamos ter mais qualidade, mas é difícil porque os clubes apesar de estarem relativamente bem estruturados e organizados têm a falta do principal que é dinheiro. Podemos ter a nível que qualidade de técnicos igual ao dos melhores do mundo, mas falta o principal, que é a mão-de-obra, que neste caso são os jogadores. O fundamental no futebol são os jogadores. Os nossos clubes, comparados com os de Itália, Espanha, França ou Inglaterra faz lembrar um pobre e um rico. Nós sabemos onde estão os melhores jogadores, mas não há dinheiro para os ir buscar. Não é que estes não tenham gostos e aqueles ali ao lado tenham, é uma questão de poder económico. Quando temos dinheiro, podemos comprar dois jogadores iguais para cada posição, e se tiver houver uma má disposição, uma baixa de forma ou um castigo, tenho um substituto á altura. Muitas vezes temos jogadores que são muito trabalhadores, mas que lhes falta a qualidade e dai a diferença que reside dos três denominados grandes para os demais, e do futebol português para os de elevado nível de que falei há pouco. Penso que apesar de tudo se tem feito um bom trabalho desta parte a nível de clubes e a nível de selecção. Basta ver os jogadores que transitam a custos altos para os melhores clubes do mundo.
Um dos nossos problemas é termos o culto de falar mal, da inveja e das coisas negativas, o que é de lamentar. Deveríamos ter o culto de apelar à auto-estima. Portugal ganhou muitas medalhas em competições com um número restrito de participantes porque nos somos pessoas de sacrifício, de trabalho, de carácter, de qualidade. É pena que às vezes não façamos um apelo à nossa qualidade. Recuso-me a fazer parte dessa sociedade negativa, as coisas positivas faço sempre questão de aflora-las e deixo sempre para trás das costas as negativas. Sempre fui assim e sou uma pessoa feliz, ando sempre a rir e pretendo que as pessoas que vivem à minha volta mantenham sempre esse estado de espírito.


"VIVEMOS NUMA SOCIEDADE EM QUE «SÃO MAIS AS VOZES QUE AS NOZES»"


G.F.: Há bocado falou na questão do poder económico e dos jogadores acabarem por sair. No fundo é um bocado à imagem do Boavista, porque houve uma altura em que tiveram bons jogadores, mas acabaram todos por sair.

J.P.: Todas as equipas e selecções têm jogadores criados e nascidos neste clube. Por aqui passou muita gente, isto é um clube genuíno, porque as pessoas que vêm para aqui são talhadas, com mais ou menos dificuldade, para terem sucesso. O Boavista sempre foi o sustento das grandes equipas. É obvio que se nós pudéssemos ficar todos os anos com os melhores e ainda requisitar alguns daqui e de acolá, seríamos também dos melhores. O Boavista está numa fase má, como também já esteve o Manchester United ou o Liverpool, em que têm um ciclo alto, e depois, por isto ou por aquilo caem um pouco. Mas isso acontece em todos os clubes do mundo. As pessoas têm que entender que com a união, o esforço e a dedicação de todos será mais fácil superar este momento menos fácil. Não é virando as coisas nem destruindo, nem criticando. Muitas vezes penso que ter um dia menos bom, um jogo menos bom ou uma fase pior, é Deus que nos está a testar, pois é muito fácil andarmos de bem com Deus e com todos quando as coisas correm bem, quando as coisas correm pior é que temos que mostrar solidariedade, amizade, união. Não é ser amigo quando se está bem, é ser amigo quando as pessoas precisam de ajuda. É isso que de alguma forma pratico e a que tento avivar a memória das pessoas.


G.F.: Acredita que esta crise do Boavista se deve unicamente à construção do estádio, tal como é muitas vezes referido?

J.P.: Eu penso que é a questão principal e depois isso vai-se ramificando a outros níveis. Esta crise acaba por contagiar tudo. Noutros anos, em Fevereiro o Boavista já tem o plantel construído para a época seguinte. Agora não é assim. As pessoas que faziam isso antes, também o podiam fazer agora. Mas porque não fazem? Porque agora não temos condições financeiras para o fazer. Eu acho que quem gosta do Boavista a sério, gosta sempre, não é só quando se ganha ou se conquistam coisas impensáveis. Sempre disse que “os amigos se vêm na cadeia e no hospital”, nem que seja com a sua presença ou uma palavra amiga e de apoio. E o Boavista precisa disso, porque eu sou o mesmo treinador que era há uns anos atrás, se calhar até muito mais valorizado por estudos que faço, por coisas que vou vendo, por experiência. Já tive clubes que me deram oportunidade de sair e melhorar a nível desportivo e financeiro, mas o Boavista está numa situação difícil e precisa de mim. Eu fico se entender que posso ser útil, quando entender que posso ser uma pessoa que estorvo e incomodo tudo bem, porque deixei valores fundamentais para estar aqui. Eu gosto do Boavista, empenho-me, trabalho, não durmo e sacrifico-me, porque acho que este clube também já me deu muito. Tenho que lhe ser grato. Tenho uma vida lá fora e uma família para sustentar, mas não estou aqui por questões materiais, porque senão já tinha deixado o clube há muitos anos. Nem toda a gente compreende, mas sofrendo e dedicando-me a tempo inteiro a isto vou demonstrando às pessoas que estou aqui porque gosto do clube.


G.F.: Acredita que os adeptos do Boavista não lhe dão valor?

J.P.:
São uns adeptos especiais. Apesar de sermos muito poucos, entendo que eles deviam ser mais participativos de uma forma positiva, porque o Boavista é um clube diferente. É um clube que durante estes anos arranjou antipatias e invejas porque batia-se com os melhores e ganhava. É pena que as pessoas não percebam que quem está aqui a servir o Boavista gosta tanto do clube como eles ou mais. Naturalmente que se calhar eles também não têm conhecimento de tudo, deviam ser mais elucidados, mas têm que perceber que já tive no Boavista muitos anos e sai, depois de mim já passaram mais quatro ou cinco e nenhum acaba por aguentar isto. E eu, todas as vezes que o clube esteve mal, vim a correr. E não digo isto para terem pena de mim, digo isto para serem mais compreensivos para quem trabalha aqui, em benefício do próprio clube, porque quem vai perder com isto tudo é o Boavista. E se nós não nos unirmos podemos destruir uma coisa que custou muito a todos nós (aos sócios, a mim, ao presidente, aos directores) construir. Estão a ver o momento e coisas que muitas vezes não condizem com a verdade. Acabam por ter uma participação em que consideram que estão a ajudar, mas não estão. Começo a ver que os jogadores chegam a uma altura que têm medo de jogar, de ter a bola, de treinar e isso é manifestamente crucial para eles. Porque, independentemente de nós sermos fortes com a situação e respeitarmos, os jogadores é que têm que estar ao mais alto nível para jogar. E quem for mais consciente, quem tiver de alguma forma mais influencia, que pense bem nisto. Não é o presidente nem o treinador que está em causa, porque se eu sair agora o clube não vai ter mais 10 pontos amanhã. Sinto que se forem abandonados pode ser muito mau, porque amanhã os jogadores vão-se embora e nós gostamos do clube e ficamos. E se não ficarmos vamos viver sempre com aquilo que aconteceu de negativo para o clube. Eu estou na história pela positiva e não quero ficar pela negativa. Como já disse, não sou de abandonar nem amigos, nem instituições. Sempre colaborei, sempre me dispus e acedi a tudo. Espero é que aqueles menos positivos façam um exame de reflexão e só mediante o estado de espírito positivo e de apoio e em consideração à maior importância, que é a instituição, que apoiem os jogadores e quem cá trabalha, porque só assim o clube poderá melhorar.


"QUEM GOSTA DO BOAVISTA A SÉRIO, GOSTA SEMPRE, NÃO É SÓ QUANDO SE GANHAM OU SE CONQUISTAM COISAS IMPENSÁVEIS"




G.F.: A claque muitas vezes talvez esteja a contestar a pensar que vai dar um “abanão” positivo…

J.P.: Não dá. Apesar da equipa ser muito nova, são jogadores habituados noutros campeonatos e divisões e geram muita ansiedade, pressão e responsabilidade. Se eles não tiverem psicologicamente bem, são as questões técnicas que acabam por se diluir. Num ambiente de contestação de espírito e naquela idade é complicado. Acho que os jogadores e quem cá trabalha dão o seu melhor. É o que estamos a fazer. Mas quem esta de fora e gosta do Boavista, que nos apoie.


G.F.: Fala-se no afastamento de pessoas de referência, como o Alfredo, o William, etc… Será que não falta um certo misticismo ao clube?

J.P.: Eu vou entrar num campo muito íntimo. Nós temos uma coisa muito importante, neste plantel temos para ai sete ou oito jogadores formados aqui. Todos os anos, eu e a direcção, fazemos questão de ficar no mínimo com dois jogadores da formação no clube, para manter essa mística. Em relação aos quadros do clube, é ver que temos lá o Mané, o Mário João, o Moinhos, entre outros que já passaram. Soube que o Paulo Sousa foi convidado e não quis. Em tempos, o Alfredo, o Jaime Alves e o Pedro Barney fizeram parte do meu Staff e alguns deles não estão aqui porque não quiseram, foram embora por iniciativa deles. O Alfredo foi um treinador que esteve cá e ficou comigo, quando eu fui embora ele manteve-se, depois eu regressei outra vez e mais tarde saiu por ele. O Jaime Alves foi a mesma coisa. Há situações que nós não controlámos. Foi por vontade deles. O clube não pode ser de alguma forma criticado por eles, até porque muitas vezes abdico de alguns princípios e valores para ter alguém da formação, portanto não é justo falarem disso. Este ano tínhamos o Bobo e única e simplesmente desapareceu. São coisas que não controlámos. Estamos a trabalhar em relação às outras equipas técnicas em número diminuído. Somos só três e muitas vezes eu tenho de carregar balizas. Eu não me importo, mas quando tivermos que escolher alguém para aqui tem de ser alguém que faça parte do passado do clube. Não é justo estarem a criticar a direcção ou os departamentos por não darmos continuidade, porque somos das equipas que sempre deu a possibilidade a jogadores da formação de fazer parte do plantel sénior.


G.F.: Esta semana vi no Porto Canal o Alfredo a comentar a situação do Boavista e referiu que gostava de estar lá, deixou no ar que se não estava foi porque alguém não quis.

J.P.: Não, não é justo. Ele esteve cá e depois simplesmente deixou de aparecer. Não é verdade, porque aqui também há regras e rigor. Não pode ser “hoje não me apetece, não vou, amanha vou, daqui a oito dias não me apetece e não vou”, isto não é assim, é uma questão de exemplo. É verdade que eu faço questão de ter sempre alguém que sinta o clube, agora se por este motivo ou aquele que nós desconhecemos não vêm trabalhar, são coisas que nos ultrapassam. E neste momento para estar no Boavista é preciso fazer muitos sacrifícios. Eu faço-os e quem trabalhar comigo também tem que os fazer. Eles não suportam fazer sacrifícios, independentemente de serem ou não do Boavista e de terem os terem feito no passado. Não é justo falarem de coisas que muitas vezes não são verdades.


G.F.: João Loureiro referiu na conferência de imprensa, que existem culpados pela situação em que se encontra o clube. Concorda com ele?

J.P.: Somos todos culpados. Quando fomos campeões, adeptos, sócios, directores e funcionários disseram-me “ eu também ajudei”. Quando ganhámos fomos todos campeões. Eu vi este estádio e a toda a cidade a festejar “somos campeões” e quando perdemos só perde o treinador ou o presidente? Não! Somos todos! Cada um com a sua responsabilidade, mas somos todos. Portanto não é justo apontar quem quer que seja, ou vocês acham que o presidente ou o treinador não queriam ter melhor equipa? Não se tem porque não há dinheiro. Nós não podemos gostar só quando temos a mesa farta.
Ah! Mas há muita gente boa dentro e fora do clube. Há pessoas que andam desde o início da época atrás de nós, muitas vezes abdicam do seu trabalho e das coisas relacionadas com a família para nos acompanhar e essa gente eu jamais esquecerei. Eu estou atento e quando puder retribuir vou faze-lo de uma forma forte porque são pessoas que sabem estar connosco quando ganhámos e agora também. E é por essas pessoas que eu também não desisto.


G.F.: Acha que é fundamental ser o treinador a escolher a equipa?

J.P.: (Pausa) Acho que é muito importante. Cada chefe no seu departamento devia ter a possibilidade e facilidade de escolher com quem vai trabalhar. Isso às vezes não acontece porque não é possível.


G.F.: Se pudesse escolher um jogador português para ter na sua equipa, sem pensar em problemas financeiros, qual seria a sua escolha?

J.P.: (Pausa grande) Eu acho que estou a pensar muito e nem devia. Era o Cristiano Ronaldo (risos). Era ele que eu queria. É o melhor.


G.F.: Que conselho daria aos jovens que estão agora a iniciar-se no futebol?

J.P.: Eu acho que não deviam fazer nem mais nem menos do que aquilo que eu fiz. Tenho um filho que tem 10 anos e joga nas escolas do Boavista, e eu nunca vi se ele joga bem ou mal, a questão é que em qualquer actividade tem que dar o máximo e o máximo é empenhar-se do maior ao menos exercício, com concentração e enquanto lá estiver que se aplique, que se apaixone e que se entregue de corpo e alma ao que está a fazer. De uma forma geral e acima de tudo que respeitem muito quem os lidera, porque quem os lidera é a pessoa mais interessada em que eles tenham sucesso. Isso é o que eu digo ao meu filho, se não foi ao treino por alguma razão quando chegar lá amanhã que justifique com a verdade, que seja sincero, para ter a credibilidade da pessoa que o orienta. Chega lá e não questiones se jogas aqui, ali ou acolá. Aplica-te e empenha-te ao máximo, que é para seres respeitado. Isso para mim é a melhor prenda que posso ter dele. Não quero que seja o melhor jogador e depois que falhe noutras coisas.
Uma das coisas de que me orgulho muito é ter jogado e treinado muitos clubes e o maior troféu da vida é ir a qualquer lado com os meus filhos e eles sentirem e ouvirem que ali o pai é respeitado, admirado muito ou pouco, mas respeitado pela honestidade e pela forma como sempre trabalhou lá. Para mim, acima dos títulos que ganhei, esse é o maior troféu que tenho na minha vitrina.


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