sábado, 20 de outubro de 2007

ENTREVISTA GAZETA DO FUTEBOL

1ª Parte


JOSÉ GUILHERME AGUIAR











“A NOVA LEI DE BASES DEVERIA ESTABELECER MECANISMOS PARA COMBATER IRREGULARIDADES DOS CLUBES”





JOSÉ PEDRO PINTO





É rodeado de dossiers camarários e sempre às voltas com o seu telemóvel que José Guilherme Aguiar, advogado e Vereador da Câmara Municipal de Gaia, se apresenta para esta conversa. A mesa que ostenta o seu nome e a sua posição na hierarquia da Câmara está repleta de outras tantas pastas, obrigando-o a trabalhar na mesa de conferências… também ela a abarrotar de papel por todos os lados. Nesta entrevista, o ex-Director-Executivo da Liga de Clubes faz uma análise da actualidade do futebol português, criticando a mentalidade que ainda se faz sentir neste desporto e apontando o dedo a clubes e dirigentes do nosso futebol. Fala também das razões que o levaram a não se candidatar à Presidência do F.C. Porto e esclarece de que forma perdeu as eleições para a Direcção da Liga de Clubes, em 2002.



GAZETA DO FUTEBOL: Foi Director-Executivo da Liga Portuguesa de Futebol Profissional entre 1995 e 2002. Como é que vê a recente crise desportiva que esta instituição enfrenta, com a revolta de alguns clubes à forma como é gerida?

JOSÉ GUILHERME AGUIAR: Eu entendo que a maior parte das revoltas dos clubes são sempre pontuais, e infelizmente para o futebol português, são sempre mais em função de resultados desportivos negativos do que em função de uma estratégia definida e sustentada para o nosso futebol. Neste momento, a gestão da Liga depende muito das imposições que os clubes lhe fazem e, por isso, a Liga está num momento de grande confusão, criada não só por quem a dirige, mas também pelos clubes. Há uma mistura muito grande de competências e ainda hoje vemos clubes que estão na Direcção - que não têm competências de gestão desportiva – a discutir problemas de arbitragem e disciplina em meras reuniões de Direcção da Liga. Isso não se deve discutir a nível de Direcção mas sim a nível de Assembleia-Geral, onde estão todos os clubes presentes. Fundamentalmente, há na Liga uma enorme instabilidade, nos tempos que correm.


G.F.: Sendo assim, no actual contexto de instabilidade, Hermínio Loureiro é o homem certo para liderar a LPFP?

J.G.A.: Não me quero pronunciar sobre isso. Hermínio Loureiro foi eleito pela esmagadora maioria dos clubes, pelo que o meu entendimento não cabe aqui. Não tenho que me debruçar sobre se é ou não a pessoa ideal.



“O FUTEBOL NÃO É UMA GUERRA…”



G.F.: Mas concorda com a ideia de que Hermínio Loureiro se tem pautado por uma atitude de pacificação do nosso futebol?

J.G.A.: O futebol português – e mundial! – não progride com a ideia de pacifismo. Não estamos nas aparições de Fátima, nem o futebol é uma guerra. Só pode falar em pacifismo quem pensa que o futebol é uma guerra, e apenas é uma competição em que as pessoas muitas vezes se deixam ultrapassar pela sua emoção. Não vejo que tipo de pacificação no futebol é que possa resolver os problemas. Se os clubes estiverem sem dinheiro, continuam sem dinheiro, e não é com mais paz ou menos paz que isso se resolverá. Os discursos pacifistas podem ser muito bons, mas não concordo muito com isso porque não está na minha maneira de ser.


G.F.: Estão decorridas sete jornadas do campeonato. Quem lhe parece em melhor forma, nesta altura, para alvejar o título de campeão nacional: F.C. Porto, Sporting ou S.L. Benfica?

J.G.A.: Infelizmente para a competição, julgo que o F.C. Porto tem uma vantagem que é patente nos resultados que estão à vista. Os números falam por si, embora as previsões sejam falíveis! A vantagem do F.C. Porto não é de maneira nenhuma definitiva ou impossível de ultrapassar, mas nós vemos bem a instabilidade dos outros dois candidatos. Sobretudo no exemplo específico do S.L. Benfica, a atravessar uma enormíssima instabilidade competitiva. Prevejo uma época muito difícil para o S.L. Benfica porque a equipa, na voz do seu treinador, ainda não está estabilizada. É um clube vai vivendo em permanente sobressalto, e esta época arrisca-se a ser mais uma época de insucessos. Mas mesmo no discurso do seu treinador e responsáveis se percebe que não se espera muito desta época.


G.F.: Como é que vê o desempenho do S.C. Braga? Sendo considerado por muitos como o “4º grande” do futebol português, não seria de esperar uma oposição mais séria aos restantes três?

J.G.A.: Acho que o Braga está a atravessar uma crise de dimensionamento, isto é, o Braga está numa situação em que F.C. Porto, S.L. Benfica e Sporting já estiveram: a dificuldade em participar, simultaneamente, em muitas provas. A grande diferença entre os clubes ditos “grandes” e “pequenos” reside não em valores de jogadores, mas na capacidade de concentração competitiva. O Braga é um clube equilibrado com uma equipa bem sustentada. Resta saber se estes jogadores conseguem ou não manter uma concentração competitiva permanente em todas as competições que disputam. Se não conseguem, é nessas alturas que os resultados negativos aparecem. O grande problema do Braga é que um clube nunca nasce de gestação espontânea. Faz-se calmamente, embora haja casos em que esse desenvolvimento se faz mais rapidamente – caso do Chelsea, mas estamos a falar de realidades completamente diferentes.



“A MUDANÇA DE MENTALIDADES É FUNDAMENTAL”



G.F.: Num parecer sobre a nova Lei de Bases do Sistema Desportivo, em Fevereiro de 2006, defendeu-a afirmando que os problemas que hoje assolam o mundo do futebol se devem às falências de SAD’s e salários em atraso para com atletas. De que forma é que a entrada em vigor desta nova Lei de Bases vem resolver, por exemplo, essas duas falhas graves?

J.G.A.: Uma lei tem sempre um conteúdo programático, e, no fundo, uma lei não é regulamentadora, mas sim programática. Estabelece princípios para que depois apareçam os diplomas que servem para regulamentar esses princípios. Não é a lei que vai resolver os problemas, ela apenas define princípios que, depois de devidamente regulamentados, podem resolver esses problemas. É evidente que esta lei deveria estabelecer mecanismos para combater esses aspectos – porque, tristemente, a Liga de Clubes não os estabelece – mas o grande problema do nosso futebol é que não existe nenhuma fábrica de “moeda falsa” e este desporto continua a viver à custa de uma gestão pouco equilibrada, assente em receitas extraordinárias. A Liga não criou os tais mecanismos de controlo; espero que a lei de bases, através da sua regulamentação, crie mecanismos de fiscalização da sustentabilidade financeira dos clubes para evitar o que eu refiro nesse parecer sobre as falências de SAD’S e salários em atraso. Mas gostaria muito mais de ver a LPFP a introduzir esses mecanismos... Como não os levou em conta, oxalá a nova Lei de Bases o venha a fazer.





G.F.: Disse, no mesmo parecer, que para haver uma “profunda reforma no actual sistema desportivo”, era necessário alterar as “mentalidades”. Os grandes problemas do nosso futebol, de que falou há pouco, devem-se a esse aspecto particular?

J.G.A.: Na minha opinião, sim. Nós já fomos o país mais avançado da Europa na gestão do espectáculo desportivo e seus componentes: disciplina, arbitragem, organização de jogos. Nós já tivemos uma “Liga de ponta” e, neste momento, ela já não existe. Mas a mudança das mentalidades é fundamental: enquanto as pessoas não ganharem consciência de que não é uma gestão desequilibrada que vai salvar o clube a curto-médio prazo, o desempenho financeiro não se alterará. Há ainda o problema de se pensar de uma forma pouco responsável, pois ainda prevalece a ideia de «o próximo que vier, que resolva».


G.F.: Os últimos tempos não têm sido fáceis para a arbitragem portuguesa. Como é que vê a actual crise que esta classe vem atravessando?

J.G.A.: A arbitragem portuguesa é sempre uma área que está em vias de entrar em crise e é um sector de grande instabilidade porque é claramente desprotegido (todos a querem proteger, mas ninguém a protege de facto). Mas, actualmente, a arbitragem precisava também de ter uma estratégia e desde há muitos anos que não a tem! Os árbitros têm de se mentalizar que a sua actividade é tão ou mais importante do que a de jogadores e treinadores. Ainda hoje se transmite a ideia de que só vai para árbitro quem não tem jeito para jogar futebol, e isso é falso! Não pode ser assim! Sem a figura do árbitro, a prática do futebol deixa de ser competitiva, e não é essa a mentalidade que se cria num árbitro. O árbitro é fundamental e o garante de que as equipas recebem o mesmo tratamento. Ainda assim, penso que é uma total falta de bom senso andarmos a preconizar a profissionalização de um sector que, neste momento, é acusado de fraudes e de situações anómalas.



“VITOR PEREIRA NÃO É O LÍDER CERTO PARA A ARBITRAGEM”



G.F.: Enquanto Director - Executivo da LPFP, sempre se revelou um defensor dos árbitros. Julga que é isso que falta à classe? Alguém que dê a cara e a defenda veementemente?

J.G.A.: Falta alguém que demonstre publicamente que a arbitragem é um sector fundamental e que tem de ser sério, rigoroso. Não penso que quem dirige os árbitros tenha que ser um ex-árbitro, obrigatoriamente, bem pelo contrário. A meu ver, a arbitragem não precisa de ser defendida, precisa antes de ser protegida e essa protecção passa por alcançar mecanismos que venham alterar a mentalidade existente. A arbitragem deve ser apreciada ao nível da importância que ela realmente tem.


G.F.: E o actual líder da arbitragem profissional, Vítor Pereira, é esse “alguém” que acaba de referir?

J.G.A.: Na minha opinião, não. O Vítor Pereira foi provavelmente o nosso melhor árbitro, o árbitro que melhor eco teve interna e externamente, mas os grandes futebolistas por vezes não são grandes treinadores, senão Eusébio seria o melhor treinador português de todos os tempos. Não é o facto de Vítor Pereira ter sido um excelente árbitro – porque o foi! – que faz dele um bom líder para a arbitragem, que eu penso que não é, neste momento.


G.F.: No que toca à disciplina, o facto de não haver uma regulamentação única para avaliação de casos (coexistência de regulamentos da Liga de Clubes e Federação Portuguesa de Futebol) contribui para que os órgãos disciplinares do nosso futebol não consigam atingir a tão desejada estabilidade?

J.G.A.: O problema da estabilidade prende-se exactamente com essa dualidade de critérios. Começando pelos regulamentos, eles deveriam ser uniformes (e quando digo uniformes não digo idênticos). Se os regulamentos encararem a fiscalização e repressão do ilícito disciplinar da mesma forma, os regulamentos passam a ser justos, julgando todos os participantes de uma competição da mesma forma. Neste contexto específico de coexistência de regulamentações disciplinares da LPFP e da FPF, os conceitos devem ser idênticos e as soluções específicas em função das realidades competitivas que estamos a regulamentar e a proteger.


G.F.: De 1985 a 1995 foi Vice-Presidente do F.C.Porto. De 1995 a 2002, Director-Executivo da LPFP. Contactou de perto com a classe dirigente do nosso futebol (clubes mas também instituições…). Recordando o passado e olhando o presente, que alterações sofreu esta classe?

J.G.A.: Nos dias que correm, começa a aparecer a figura do dirigente profissional, com uma preparação específica para esta área de intervenção. Hoje em dia, esta classe já tem em conta as diferenças no que toca a gerir uma estrutura desportiva e uma comercial. Ou seja, o Presidente do maior banco do mundo pode não ser o melhor presidente de um clube desportivo. Gerir 1000 funcionários de um banco não é a mesma coisa que gerir 28 jogadores de um clube de futebol profissional. Há especificidades próprias de cada intervenção. Actualmente, o gestor desportivo precisa de ser equilibrado, bem preparado e, sobretudo, ter a consciência da especificidade que é gerir uma actividade cujo resultado é aleatório e não é programado. Por exemplo, o falhar o acesso a uma competição pode estragar toda uma programação financeira que já estivesse equacionada.




AMANHÃ: SEGUNDA PARTE DESTA ENTREVISTA


“PODER E COMPADRIO É QUE VENCEM ELEIÇÕES NA LIGA DE CLUBES”




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