quarta-feira, 24 de outubro de 2007

ENTREVISTA GAZETA DO FUTEBOL

2ª Parte


JAIME PACHECO




"TENHO JOSÉ MARIA PEDROTO COMO TREINADOR DE REFERÊNCIA"



PATRÍCIA MARTINS




GAZETA DO FUTEBOL: Como é que o futebol surge na sua vida?

JAIME PACHECO: Eu penso que como todos os miúdos. Tenho um filho de 10 anos e vejo-o entusiasmado a jogar e a participar naqueles jogos de escola e de amigos, no local onde vivemos. Comigo tudo aconteceu de uma forma muito simples. Eu sou oriundo de uma aldeia e na altura a sociedade não nos dava tantas oportunidades como agora. Agora participa-se de forma mais activa em tudo. Na escola, cada espaço e momento que tínhamos jogávamos futebol. Havia mais espaço para o fazer do que agora, mas era sempre difícil ter uma bola. Os anos foram passando e como todos eu entendi que queria jogar futebol lá no clube da minha paixão, que era o Aliados do Lordelo. Mas por coincidência até comecei a jogar no clube rival que era o Rebordosa. Ao principio contra a vontade dos pais, porque entendiam que aquilo não era futuro nem principio de vida. Mas eu contrariando um bocado a vontade deles e fazendo jus à minha paixão acabei por me inscrever, não à revelia, porque naquela altura tinha que haver consentimento dos pais e o facto é que gradualmente fui conciliando a actividade desportiva com o trabalho. Mais tarde senti que os responsáveis pela minha área entenderam que eu podia ter grandes condições de fazer parte de um futebol profissional. Quando dei conta estava a jogar futebol na 1ª divisão e no F. C. Porto, uma coisa que eu achava inconcebível na altura que comecei. Mas tudo aconteceu de uma forma muito rápida.


G.F.: Tem algum jogador e treinador que lhe tenha servido de referência?

J.P.:
Desde miúdo habituei-me a ouvir falar no Eusébio e gostava muito dele. Evidentemente que depois também tive outros ídolos, mas o maior foi sempre o Eusébio. Como treinador, foram muitos os que me ajudaram na minha projecção, no meu crescimento, na minha função. Mas tenho um como referência, que provavelmente é o treinador com quem trabalhei e joguei menos, mas que foi o que me marcou mais. É o senhor José Maria Pedroto.


G.F.: Sente que tem sido fiel a um estilo de jogo específico por onde tem passado?

J.P.: Sim. Quando era jogador tive a felicidade de jogar em todas as posições. Algumas por questões de estratégia, outras por questões de momentos em que a equipa tinha menos ou mais jogadores. Eu tinha que passar de uma posição para a outra e isso ajudou-me a ter algum conhecimento em relação àquilo que é o futebol na sua plenitude. Muitas vezes mudava de posição e de sector, jogava aqui e acolá. De forma característica, fazia com que a partir daí adaptasse um esquema de jogo àquele a que se habituasse a minha forma de jogar. Mas era de uma forma mais acentuada um jogador de meio campo. Quando jogava com três jogadores avançados eu sentia que tinha mais disponibilidade e possibilidade de dar sequencia à minha qualidade de jogo. Se tivesse só dois, eu tinha que me cingir só a dois caminhos. Enquanto que com três tinha mais uma alternativa. E acontece que adaptei este sistema porque acho que de uma forma geral a equipa fica muito mais preenchida no campo, capaz de poder atacar de todos os lados e também de defender a equipa de uma forma sustentada e disciplinada. Mas o 4x3x3 é aquele estilo de jogo que eu gosto mais. Precisamente por isso, porque tem três avançados e pode-se jogar a bola por qualquer um dos lados e defender de qualquer um dos lados também. E se virmos o gráfico, olhando de cima para baixo, uma equipa em 4x3x3 fica mais bonita, mais disposicionada no campo de um modo muito mais equilibrado.


"SOU UMA PESSOA FELIZ"



G.F.: Quais os momentos, positivos e negativos, que mais o marcaram?

J.G.: Uma das coisas que condiciona a nossa carreira futebolística é as lesões. Eu tive algumas. Fui operado à peralgia, ao joelho, parti o perónio, abri o sobrolho, parti o nariz e tive entorses. Há uma série de coisas que me marcaram pela negativa, porque me condicionavam a minha vontade de jogar.
Mas acima de tudo tenho a consciência de que o futebol a mim deu-me tudo, possibilidades de fazer o que gosto, e isso para mim é que é determinante e fundamental. Sou um privilegiado da sociedade porque tinha a felicidade de passar por muitas cidades e muitos clubes e de uma forma geral deixar amigos, conhecidos, alguém com que me relaciono agora e de alguma forma fazer também com que eu tivesse o privilégio de usufruir disso. Tive a felicidade de poder ter uma vida muito melhor do que teria se não fosse desportista e naturalmente que foi das coisas que mais me marcou. Consigo compreender a sociedade e aqueles mais carenciados e prejudicados por não terem sorte na vida, precisamente porque conheço as duas situações. Sou uma pessoa feliz porque faço o que gosto, nunca é demais frisa-lo, e tenho uma vida muito mais facilitada que consegui com o meu trabalho, sacrifício, empenho, rigor e disciplina. Tive que abdicar de muita coisa enquanto era jovem, mas sinto-me compensado e sinto que valeu a pena porque tenho uma vida que permite que eu possa ter muita coisa que se calhar noutra altura não teria. Sem ser uma pessoa rica, tenho uma vida a nível financeiro estável, que me permite dar aos meus filhos aquilo que se calhar eles não teriam.


G.F.: É aquela velha frase “ Faço o que gosto e ainda me pagam por isso”…

J.P.: É isso, embora em todas as actividades haja sempre o reverso da medalha, mas não há dúvida de que me sinto privilegiado por isso.


"TODOS OS DIAS ME DEDICO DE CORPO E ALMA"



G.F.: Esteve muitos anos ligado ao futebol e ao mediatismo que isso envolve. Há alguma lição que tenha retirado desse meio?

J.P.: Não sei. Eu acho que vivo muito o dia a dia, mas completando a pergunta de ao bocado, eu fiz sempre as coisas em função da minha consciência, sempre fui muito ponderado, sempre pensei bem, sempre, de alguma forma muito sustentável, aceitei conselhos das pessoas que mais gosto e das pessoas que viviam perto de mim. Sempre levei a minha vida com algum equilíbrio, mas sempre fiz as coisas que no meu entender eram as melhores no momento e nunca fui de me arrepender nem de me lamentar. Sempre fiz tudo em consciência: vou fazer isto agora… mais cedo ou mais tarde se não der certo, não me vou lamentar nem arrepender, nem culpar quem quer que seja. E a minha vida sempre foi assim. Sou uma pessoa muito equilibrada, a ponto de fazer as coisas de uma forma normal. Ver o que fiz melhor, o que fiz pior, o que é que devia ter feito e devia ter alterado, e depois fazer as coisas que eu amo. Acho que nem seria melhor nem pior se tivesse que voltar a fazer as coisas ou passar pelas coisas outra vez. E digo assim: se eu voltasse a ser jogador, acho que não seria melhor pois acho que dei tudo em cada dia, em cada momento, em cada minuto e como tudo era igual, eu tenho a consciência que dou o melhor de mim todos os dias. Todos os dias me dedico de corpo e alma, senão, não vou, não venho, não estou, não participo. Não tenho que lamentar-me e dizer que podia ter feito assim, podia ter sido melhor jogador, melhor treinador, podia ser melhor amigo. Não. Fiz sempre as coisas em consciência e o que estava a fazer evidentemente seria bom para mim e para todos. Não tenho nada que possa estar aqui a pôr em causa ou a questionar.



AMANHÃ: TERCEIRA PARTE DESTA ENTREVISTA

"O BOAVISTA ESTÁ NUMA FASE MÁ"


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: 1ª Parte desta entrevista

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