segunda-feira, 20 de agosto de 2007

ENTREVISTA GAZETA DO FUTEBOL

JORGE SOUSA




“ARBITRAGEM NACIONAL TEM MARGEM DE PROGRESSÃO”



Jorge Sousa, 32 anos, escriturário de profissão, árbitro de 1ª Categoria. Em entrevista à Gazeta do Futebol, o juiz internacional falou dos temas que assolam a arbitragem nacional nos dias de hoje: profissionalização da classe, carreira, classificações, perspectivas pessoais. Tudo em discurso directo.



JOSÉ PEDRO PINTO



“NÃO FIQUEI SATISFEITO COM A MINHA CLASSIFICAÇÃO”

GAZETA DO FUTEBOL: Ocupou a 4ª posição na classificação de árbitros de 1ª Categoria da última época e foi o melhor do Porto. Satisfeito?
JORGE SOUSA: Objectivamente, não. Por um motivo muito simples: o ano passado fui 2º classificado, portanto, o objectivo seria sempre fazer melhor do que esse 2º lugar. Sendo 4º, quer dizer que piorei as minhas performances em relação ao ano anterior. Não me posso considerar satisfeito porque o objectivo é fazer sempre melhor do que aquilo que se atingiu no último ano. No mínimo, o melhor para mim seria atingir o tal 2º lugar que já havia alcançado, ou então o 1º. Tendo sido 4º…


GF: Mas acha que foi prejudicado nas suas avaliações?
JS: Não tenho motivos para dizer que fui prejudicado. Quero acreditar – e acredito – que o lugar que atingi foi o merecido. Não tenho razão de queixa da forma como decorreu a época em termos pessoais já que fui avaliado em consciência pelas pessoas. Houve correcção, no meu caso, e acho que, em termos particulares, o meu trabalho foi correctamente avaliado.





“O SPORTING-BENFICA? UM JOGO COMO OUTRO QUALQUER…”

GF: O Sporting vs. S.L. Benfica da época passada foi um dos momentos mais altos da sua carreira, até agora. Teve uma preparação especial para esse jogo, ou foi, somente, mais uma partida como outra qualquer?
JS:
Exactamente como outra qualquer.

GF: Como viveu esse jogo?
JS:
Apitei o jogo como se fosse um jogo normal (risos). Não estou a exagerar… Foi mesmo uma partida como outra qualquer.


GF: Em termos pessoais, o que perspectiva para a época desportiva que agora principia?
JS:
Acima de tudo, pretendo fazer uma época em que possa chegar ao fim e sentir-me de consciência tranquila. Esse é sempre o primeiro objectivo: que as coisas corram de uma forma que eu considere tranquila. Estou num sector e exerço uma função onde é necessário uma enorme tranquilidade. Se assim acontece, é sinal de que está tudo a correr bem. Quero, no fundo, ter a consciência de que fiz o meu melhor, independentemente de num ou noutro jogo as coisas não correrem pelo melhor. No fim, far-se-ão as contas.


“A ASCENSÃO QUE VOU TENDO RESULTA DE MUITO TRABALHO DA MINHA PARTE”


GF: Chegou à 1ª Categoria da arbitragem há seis anos e tem evoluído de uma forma rápida, tanto ao nível de classificações finais como ao nível do grau de dificuldade dos jogos arbitrados. Sendo um árbitro relativamente jovem, pensa que essa evolução foi demasiado rápida, ou, pelo contrário, tem correspondido às suas expectativas de época para época?
JS: Bom, acho que não sou “relativamente jovem”; sou mesmo JOVEM (risos)! Só tenho 32 anos… Acho que tem sido uma evolução normal. Não tem sido uma ascensão vertiginosa, nem tem sido lenta. Tem decorrido, perfeitamente, em função daquilo que têm sido as minhas épocas. São seis anos na 1ª Categoria, e não uma ou duas épocas. Devo dizer que apenas chego a internacional na minha quinta época como árbitro de 1ª Categoria, portanto, não é assim tão rápido quanto isso. Tem muito trabalho pelo meio e, no fundo, esta ascensão paulatina que vou tendo (e não rápida…) resulta desse trabalho que tenho vindo a desenvolver. Modéstia à parte, tenho justificado essa evolução.



GF: Teve a possibilidade de trabalhar com três Comissões de Arbitragem da LPFP, desde que chegou à 1ª Categoria, em 2001/2002. Sentiu, e tem sentido, uma aposta séria dessas mesmas comissões nas suas capacidades?
JS:
Em relação à primeira Comissão de Arbitragem, presidida por José Luís Tavares, tive apenas o prazer de trabalhar um ano com essa equipa. Foi o meu ano de “caloiro” e não tive muita oportunidade de trabalhar com essa CA pois foi só um ano, como já disse. Gostei bastante desse período, pois era uma equipa séria, competente e honesta. Só tenho a dizer bem. No que toca à segunda CA, com o Presidente Luís Guilherme, realço o facto de haver um paralelismo entre o que é a minha carreira e o facto de ter sido uma aposta, ano após ano, desta comissão. Acabou por ser também uma relação pautada pelo meu bom trabalho, volto a referir. A terceira CA, com Vítor Pereira, está agora a começar… Não lhe posso dizer muito mais do que isto, pois ainda vamos com poucos meses de trabalho.


“FOI UMA SURPRESA QUANDO ME INFORMARAM DE QUE HAVIA ENTRADO PARA O QUADRO DE ÁRBITROS DA FIFA”


GF: É árbitro internacional desde 2006. Como é que reagiu quando soube dessa sua promoção?
JS:
A primeira reacção foi de surpresa. Comentava-se, na altura da saída do árbitro António Costa, que Portugal corria o risco de não poder ter um substituto. Corríamos mesmo o risco de perder um árbitro internacional! E, em função desse cenário, fui dando como um dado adquirido que não iria entrar ninguém para o seu lugar. Quando me ligaram a dar conhecimento da minha entrada para o quadro da FIFA, encarei isso com uma certa surpresa. Mas, olhando para o trabalho que vinha desenvolvendo, acho que foi o alcançar de mais um patamar normal na minha carreira e um prémio merecido.


“NÃO POSSO ADMITIR QUE OS ÁRBITROS NÃO SEJAM PROFISSIONAIS!”

GF: É a favor da profissionalização dos árbitros?
JS: Completamente! Não posso admitir que num mundo onde toda a gente seja profissional – e, hoje em dia, até os dirigentes são profissionais – uma das partes mais importantes do futebol seja amadora. E eu falo por mim: tenho o meu emprego, o qual deixo, todos os dias, às 18h30m para ir treinar. E isto TODOS OS DIAS. Ao fim-de-semana vou apitar o jogo para o qual sou nomeado e chego a casa à meia-noite, à uma, duas, três da manhã, em função do local do encontro. No dia seguinte, tenho que me levantar às 7h30m para ir trabalhar. Claro que num mundo tão exigente e cada vez mais profissional, se continua a olhar para a arbitragem como o parente pobre do futebol. Portanto, o profissionalismo da arbitragem acaba por ser quase uma obrigatoriedade a curto-médio prazo e, por ainda ser amadora, a arbitragem portuguesa não se coaduna com os campeonatos profissionais em que se insere. Mas é claro que os árbitros têm de ter mais e melhores condições para desempenharem as suas funções, e a profissionalização é uma via para isso.




GF: A seu ver, há condições favoráveis para a implementação de um tal modelo de profissionalização, em Portugal?
JS:
Ouço falar muito, mas sei pouco. Não sei muito bem em que moldes é que é pretendida esta profissionalização, o que é que vai ser exigido de nós, o que nos vai ser pedido, as contrapartidas que nos irão ser oferecidas. Neste momento, não tenho grandes condições para lhe responder de uma forma completa a essa questão…


GF: Então isso quer dizer que a Comissão de Arbitragem da LPFP e o Conselho de Arbitragem da FPF não estão a trabalhar bem nesse sentido?
JS:
Não, eu quero acreditar que sim! Só que, se calhar, ainda não julgaram o momento ideal para poderem partilhar com os árbitros este assunto. Acredito que, a breve prazo, tal será partilhado e divulgado aos árbitros porque, tal como a Comissão de Arbitragem tem dito, é um tema que vai avançar ainda no decorrer desta época.


“CHEGUEI À ARBITRAGEM SEM QUERER…”

GF: É árbitro desde 1993/1994. Como é que chegou à arbitragem?
JS:
Sem querer… Era jogador do Aliados de Lordelo, um defesa-esquerdo marcador de golos (risos) e, um dia, um colega meu falou-me de um curso de arbitragem de futebol. Encarei isso com desprezo pois era algo que não me dizia nada, nem nunca me tinha passado pela cabeça! No entanto, a insistência dele fez com que eu tirasse esse curso. Entretanto, eu ia jogando pouco no clube e perdia tempo a treinar (se calhar o jeito não era muito). No final do curso, quando nos entregaram as insígnias, fomos desafiados pelas pessoas da organização para que não abandonássemos a arbitragem sem fazer, pelo menos, três ou quatro jogos, para sabermos o que aquilo era. Achei interessante o desafio e não quis vir embora sem experimentar. E pronto! Aquilo que, para mim, era quase impensável, ao fim de cinco jogos tornou-se quase um vício e adorei, principalmente porque gosto de futebol e a arbitragem era uma forma de continuar ligado a esse mundo. Foi uma paixão que se foi entranhando.

GF: Depreendo das suas palavras que não está arrependido de ter continuado na arbitragem…
JS:
Vou-lhe ser sincero: caso tivesse jeito para jogar futebol, preferia ter seguido uma grande carreira de futebolista em vez de ser árbitro. Adoro jogar futebol! Joguei, durante vários anos, futebol federado, mas, devido à falta de jeito como jogador, consegui encontrar uma alternativa para continuar ligado a este mundo. Ao fim de 14 anos, posso dizer que fiz uma boa escolha, ao vir para a arbitragem. Abriu-me novos horizontes, conheci novos mundos, tive novas perspectivas, fiz novos amigos. É um mundo de que gostei, gosto, e espero continuar a gostar.





“TINHA TODA UMA FREGUESIA EM «ESTADO DE SÍTIO» À MINHA ESPERA!”


GF: Os escalões inferiores do nosso futebol são conhecidos, infelizmente, pelas parcas condições de segurança nos jogos que se disputam. Lembra-se de algum episódio em que tenha temido pela vida, ao arbitrar um jogo desses escalões?
JS:
Lembro-me de um episódio: foi num dia 30 de Dezembro (confesso que não me lembro do ano…), em que apitei uma partida entre o Progresso e o Mindelo. O jogo disputou-se às 21h30m no Campo do Progresso. Após o final do jogo – já passava da meia-noite – fui informado pelo comandante da força policial de que tinha centenas de pessoas à minha espera para, e estou a citá-lo, não me deixar entrar no novo ano. O que é facto é que, quando saí do balneário, verifiquei que era mesmo verdade! Era toda uma freguesia em “estado de sítio”, à minha espera! Teve que ser chamada a polícia de intervenção (coisa que eu nunca tinha visto num jogo de futebol…) para nos tirar de lá, mas acabou por correr tudo bem. Fomos retirados em segurança do campo, sem sermos minimamente beliscados, e é apenas um episódio que recordo com alguma tristeza.


GF: Há poucos árbitros para muita procura. Isto quer dizer que tem havido uma má gestão das camadas de formação da arbitragem jovem? Não há moralização suficiente para incentivar os jovens a enveredar por esta actividade ou manter os que já lá estão inseridos?
JS:
Hoje em dia, para tudo na vida, é necessário um bom trabalho de marketing. Portanto, para se ter sucesso no que quer que seja, é preciso trabalhar arduamente à volta de um projecto para que este possa singrar. A arbitragem sempre foi vista como o parente pobre do futebol, já o disse, e a impressão que as pessoas têm é a de que ir para árbitro é quase uma ofensa, uma vergonha. Infelizmente, ainda hoje existe esse paradigma. Há, de certa forma, pouco trabalho, e estou à vontade para o dizer. Ser árbitro não é aquilo que as pessoas pensam, bem pelo contrário. Eu tinha essa ideia quando estava a tirar o curso, e, 14 anos depois, só posso dizer que a arbitragem não é aquilo que as pessoas pensam. Mas, em função dessas mesmas reacções, sim, é um facto de que tem havido pouco trabalho à volta do patrocínio da verdadeira imagem da arbitragem.


“CRISE NA ARBITRAGEM NACIONAL? NÃO VEJO PORQUÊ…”


GF: A arbitragem nacional vive um momento de crise?
JS: Não, não sei porquê! É certo que, num passado algo recente, perdemos grandes referências na nossa arbitragem: num período de 3, 4 anos, perdemos seis árbitros que eram autênticas referências no futebol nacional. Mas, actualmente, temos um quadro de árbitros muito jovem em comparação com os campeonatos profissionais de Espanha, Inglaterra, Alemanha e Itália! O nosso quadro é o mais jovem, de longe, em relação a todos os outros países, o que nos permite ver que temos ainda uma grande margem de progressão e muito para evoluir. Penso que podemos estar satisfeitos e contentes pelo facto de o nosso futebol estar bem entregue aos árbitros que temos, hoje em dia.




GF: Os árbitros deveriam expor-se mais à opinião pública, falar mais com a comunicação social?
JS:
Não vejo qualquer problema nisso. Os árbitros são uma parte interveniente no mundo do futebol, tal como os dirigentes, treinadores e jogadores, mas o que é certo é que se olha para os árbitros como pessoas quase impossíveis de atingir, fechadas num mundo próprio e imunes a tudo. As coisas não são assim! Veria com muito bons olhos que os árbitros pudessem falar de uma forma aberta e de uma forma franca com a comunicação social. Quanto mais não fosse, para mostrar o lado humano da arbitragem e para que as pessoas percebessem que um árbitro é uma pessoa que tem, tal como um jogador, de ser capaz de fazer o seu melhor.

GF: Caso pudesse, votaria a favor da criação de um Conselho de Arbitragem Nacional, fora da esfera de influência tanto da FPF como da LPFP?
JS:
Não disponho de dados objectivos que me permitam responder a isso…

GF: Identifica-se com os objectivos e metas traçadas pela actual CA da LPFP?
JS:
Plenamente! Todos estão determinados em conseguir uma melhor arbitragem, um futebol de melhor qualidade e tudo o que venha beneficiar este desporto é bem-vindo. Dessa forma, claro que sim, identifico-me perfeitamente com os objectivos que estão definidos pela CA da Liga para esta época.


“O DIRIGISMO DESPORTIVO NÃO ESTÁ BEM SERVIDO”


GF: Temos bons dirigentes desportivos em Portugal?
JS:
Podíamos ter melhores… Essa classe tem evoluído. No entanto, é preciso dizer que, ao contrário do que muitos dirigentes apregoam, não são os árbitros a razão de todos os males no nosso futebol. Não digo isto para tentar defender a minha classe, mas, se há uma área que não está bem servida, o dirigismo desportivo é uma delas. Vêem-se as coisas com muito clubismo e nem sempre o que acontece é feito com base na verdade… Há interesses superiores que é preciso defender e, para isso, não se hesita em prejudicar a arbitragem. É um facto que a qualidade desse sector tem melhorado mas a verdade é que ainda não está no patamar que possamos considerar de «Bom». Acredito, no entanto, que havemos de lá chegar…


“ESPERO QUE O «APITO DOURADO» ACABE, DE VEZ, COM A SUSPEIÇÃO À VOLTA DO FUTEBOL PORTUGUÊS”


GF: Que comentário lhe merece todo o processo "Apito Dourado"?
JS: Se calhar foi um mal necessário… Veio abalar o futebol português, é certo, mas volto a dizer que espero que tenha sido um mal necessário para trazer mais transparência, mais verdade e mais credibilidade ao futebol. Se no final de todo este processo o futebol tiver mais credibilidade, ficarei muito satisfeito. Independentemente de haver pessoas punidas ou não, o mais importante é que toda esta suspeição que paira sobre o futebol português desapareça de uma vez por todas.




GF: O que é ser árbitro?
JS: Uma paixão, uma vocação, algo que só quem passa por esta área pode descrever. Como já tive oportunidade de dizer, vim para isto sem querer, pois nunca me passou pela cabeça ser árbitro. A verdade é que, ao fim de cinco jogos, estava já viciado nisto! O que posso dizer é que a arbitragem é uma paixão tremenda… Se quem vier para a arbitragem gostar minimamente de futebol, garanto que é meio caminho andado para gostar desta área.

1 comentário:

Mariana Duarte disse...

Posso só dizer uma coisinha que acho importante?

Não deviam ter posto a entrevista toda de uma vez. Fica um texto super longo e, como aprendemos em online(lol), a leitura torna-se aborrecida. Podiam ter divido, por exemplo, em três partes e iam publicando as mesmas ao longo da semana. Assim, para além da leitura ser mais agradável, há a questão do "esperar para ver", aquele "suspense" que contribuiu para prender o público.

:)