domingo, 4 de novembro de 2007

ENTREVISTA GAZETA DO FUTEBOL

1ª Parte


MANUEL TAVARES



“O SISTEMA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ATRAVESSA UMA CRISE, PROVAVELMENTE A MAIOR DA SOCIEDADE PORTUGUESA”





DIANA VASCONCELOS
(em trabalho especial para a Gazeta do Futebol)



Manuel Tavares, 56 anos, conta um vasto «curriculum» profissional a nível jornalístico. Começou por ser colaborador desportivo no Comércio do Porto, passou, no início da década de 70, pelo Norte Desportivo. Nessa altura sai de Portugal por questões politicas. A recusa de fazer a Guerra Colonial é a razão que o leva até Bruxelas. Por lá vai trabalhando, a picar bilhetes no Metro ou a lavar pratos em restaurantes. É também em Bruxelas que tira o curso de Jornalismo e Comunicação Social com que regressa ao Porto a para trabalhar n' O Primeiro de Janeiro e logo de seguida no Expresso. Seguem-se quatro anos, em Lisboa, na redacção do extinto Diário. Volta ao Porto para ser um dos fundadores do Público, onde trabalha oito anos antes de assumir o cargo de director do jornal desportivo O JOGO, há 14 anos.


GAZETA DO FUTEBOL: Como se encontra o jornalismo em Portugal? Acha que atravessa uma crise?

MANUEL TAVARES: O sistema de comunicação social atravessa uma crise, provavelmente a maior crise da sociedade portuguesa. Estamos também a assistir ao derrube de fronteiras. Por exemplo: entre o jornalismo de referência e o popular: Hoje não há uma grande diferença entre o Diário de Notícias, o Correio da Manhã ou o Público porque, de um modo ou outro, todos obedecem à ditadura dos produtos para a classe média. Os principais mentores dessa ditadura são as televisões: os telejornais abrem com notícias sensacionalistas ou, como já se viu, englobam transmissões de futebol. A RTP, em especial a Dois, vai resistindo porque os nossos impostos resolvem os problemas orçamentais, mas o resto está subjugado. A consequência – ou, sei lá, a origem – é que cresce a promiscuidade entre fontes de informação e jornalista no sentido em que se vão impondo cada vez mais os circuitos de intoxicação da opinião pública. Circuitos que são alimentados por dirigentes das polícias, dos políticos, dos sindicatos, dos clubes e outras estruturas desportivas, etc. Toda a gente procura influenciar da pior maneira a opinião pública. São servidos pratos de informação pré-confeccionada. Estamos a passar por uma crise muito grande mas espero que passe…


"ACHO INACEITÁVEL QUE HAJA GENTE CONDENADA PELAS RÁDIOS, PELAS TELEVISÕES, PELOS JORNAIS, ANTES DE O SEREM PELOS TRIBUNAIS"



G.F.: Acha que é possível ultrapassar? Qual a solução possível?

M.T.: Acho que alguma coisa vai ter de acontecer no plano da penalização das empresas e dos jornalistas em relação aos conteúdos falsos, que atentam contra a honra de pessoas ou que abatem investigações criminais. Acho inaceitável que haja gente condenada pelas rádios, pelas televisões, pelos jornais, antes de o serem pelos tribunais. Tem de haver uma solução, isto não é modo de vida. Os políticos, os jornalismo e os juízes vão ter de se entender sobre o que é o interesse e o bem público a preservar face ao exercício da liberdade de expressão..


G.F.: A profissionalização dos jornalistas é cada vez mais importante?

M.T.: Claro. As pessoas não podem continuar reféns do pensamento dos enciclopedistas: é o professor Marcelo Rebelo de Sousa que fala de tudo numa espécie de missa dominical no canal público de televisão, é o doutor Pacheco Pereira que semeia as suas doutrinas pelas televisões e jornais ditos de referência. Ora, eu não acredito que haja alguém capaz de falar de tudo quanto é assunto de actualidade porque as áreas a vida e da sociedade são cada vez mais complexas. Portanto, os jornalistas vão ter de se especializar para poderem fazer análises mais profundas e não ficarem nas mãos dos gabinetes de comunicação e imagem. Para conseguirem opor-lhes perguntas mais conhecedoras, mais inteligentes.


"OS JORNALISTAS NÃO PODEM SER «PÉ DE GRAVADOR»"



G.F.: E se os jornalistas não percebem do assunto que está a ser tratado “engolem” tudo o que lhes dizem…

M.T.: Exactamente, é tão simples como isso. Essa frase é perfeita. Os jornalistas não podem ser “pé de gravador”, têm de fazer perguntas. Tive um chefe de Redacção que dizia que o jornalista tem de ter o bom senso de uma pessoa de 60 anos e a inocência para perguntar de uma criança de 5.


G.F.: Mas o entrevistado pode não gostar…

M.T.: Se não gostar, paciência. As pessoas têm direito à informação e os jornalistas têm de insistir até obter a informação mais clara possível.


G.F.:Nos últimos anos, o número de leitores de diários desportivos tem vindo a reduzir drasticamente. A que se deve esse facto?

M.T.: Acho que se deve a um facto muito simples: os jornais generalistas dedicam cada vez mais páginas ao desporto, as rádios e as televisões multiplicam os blocos noticiosos sobre desporto e não se inibem de abrir os telejornais da hora de jantar com desporto e temos ainda a SportTV 1 e 2 que para além das competições também oferecem informação desportiva. E já nem vou falar nas rádios locais.


G.F.: E a rádio dá a notícia na hora…


M.T.: Sim, também esse factor é muito importante porque as rádios queimam as notícias ao longo do dia. O que vai obrigar os meios de comunicação menos quentes como os jornais a aprofundar a análise e oferecer aos seus leitores a reflexão e as conexões que as notícias sempre podem implicar. Será uma das formas dos jornais especializados responderem ao crescimento da informação desportiva cresceu na comunicação social não especializada.


G.F.: Acha que o futuro do jornalismo passa pelo digital?

M.T.: Na minha opinião, os jornais vão ter edições mais curtas, mais especializadas, mais voltadas para os interesses específicos dos vários tipos de leitores. A própria edição e distribuição dos jornais será feita de outra forma. Provavelmente, as pessoas vão estar em casa e poderem imprimir o que quiserem do seu jornal. Acredito que a actual distribuição, com carrinhas e papel armazenado, vai perder terreno e no limite ceder o lugar à distribuição digital.


G.F.: Qual o balanço que faz d’ O JOGO ON LINE?

M.T.: É bom na medida que não tem parado de crescer. Estamos a tentar encontrar algumas linhas de reforma do nosso site porque achamos que temos de incluir alguma diversão, aproveitando o facto do nosso Grupo de comunicação ter as imagens do futebol. Estamos também a analisar a relação entre a edição impressa e edição on line que é uma das poucas que permanece totalmente aberta por ser a forma mais expedita de O JOGO chegar a casa dos emigrantes em tempo útil, sobretudo nos Estados Unidos. Vamos ver, o facto de haver jornais que têm uma parte da sua edição on line paga não quer dizer que ganhem dinheiro com isso. Eles acham que assim obrigam as pessoas a ir lá mas eu ainda penso que as pessoas obrigadas não vão a lado nenhum.


"UMA VEZ FIZ UMA PRIMEIRA PÁGINA SÓ COM A FERNANDA RIBEIRO POR SER CAMPEÃ DO MUNDO. NÃO VENDI NADA..."



G.F.: Como e com que objectivo surgiu a revista J?

M.T.: Já que os jornais generalistas vieram para cima dos desportivos, nós resolvemos tomar a mesma atitude. Fomos buscar uma área que não é a da imprensa cor-de-rosa nem a de escândalos, mas encara o futebol e os outros desportos pelo lado charmoso. Andamos à volta do bem-estar e da beleza e das escolhas produtos das estrelas. Há revistas que são mesmo para homens, mas que os homens não levam para casa. Não é o caso da J. No meu círculo quem mais fala da J até são as mulheres, as namoradas, as irmãs dos meus amigos.


G.F.: Mas a maior parte dos títulos das páginas de um jornal são sobre futebol.

M.T.: É verdade e acho injusto. Mas os jornais não são vanguarda revolucionária e o problema é que em Portugal o futebol é mesmo o desporto mais importante. Uma vez fiz uma primeira página só com a Fernanda Ribeiro por ser campeã do mundo. Não vendi nada, foi uma desgraça.


G.F.: Quando o Boavista foi campeão, em 2000-2001, também…

M.T.: Pois, lá está. A primeira página era completamente do Boavista e o Boavista não tem gente que chegue. Portugal tem um mercado muito pequeno e isso retira amplitude de escolha. É preciso não esquecer que somos 10 milhões de habitantes e só cerca de 3% lê jornais desportivos. É à volta disso que temos de construir um conjunto de clientes para manter o produto. No dia em que um director ache que o seu jornal tem futebol a mais, está perdido.



AMANHÃ: SEGUNDA PARTE DESTA ENTREVISTA


“O QUE SE PEDE É QUE NÓS, JORNALISTAS, SEJAMOS QUALIFICADOS E HONESTOS"

3 comentários:

Diana Vasconcelos disse...

hiiii que rica entrevista!eheh bjs

Anónimo disse...

oh...

o meu mano vai ser um jornalista 5*****!! Quer dizer vao ser todos!!! =)

parabens ao vosso blog!!


bijinhos pa todos!!

XD

António Campos Leal disse...

Esqueceram-se do tempo em que esteve em "O Diário" - Porto. E já agora o Manuel Tavares vai escrever um texto idêntico ao que escreveu e publicou no Público quando O Diário fechou se por um "acaso" do destino o Público fechar