segunda-feira, 24 de março de 2008

FUTECONOMÊS




Não vejo razões para a candidatura conjunta à organização do Mundial de Futebol (de 2018) não avançar. Mesmo que acreditemos, como eu e como o Presidente da República, que poderíamos ter gasto menos dinheiro com o Euro 2004, essa situação é completamente irrelevante para a organização do Mundial. Os custo passados e não recuperáveis não relevam nesta decisão.





NUNO MOUTINHO
Professor da Faculdade de Economia do Porto (FEP)




No passado dia 18 de Março, empresários do sector privado do turismo espanhol pertencentes à «Mesa do Turismo» declararam que vão apoiar a Real Federação Espanhola de Futebol na iniciativa de obter, juntamente com Portugal, a sede do Mundial de Futebol de 2018. Esta ideia tinha sido lançada pelo presidente da Federação Portuguesa de Futebol em Novembro de 2007, acolhida com entusiasmo pelos Presidentes das Ligas Profissionais de Futebol de Portugal e Espanha, mas com alguma indiferença por parte da Federação Espanhola. Em Portugal, o apoio político à ideia foi condicionado pelas palavras do Presidente da República que considerou que o país tem «outras prioridades». Sinceramente, acredito que estas palavras do economista Cavaco Silva são influenciadas pela sua reflexão sobre a organização do Euro 2004 e sobre o impacto económico deste evento.


O Europeu de futebol organizado no nosso país teve algumas consequências negativas que ninguém poderá apagar. Tudo começou na própria candidatura e na megalomania do número de estádios envolvidos. O Euro 2000, realizado pela Bélgica e pela Holanda, bem mais prósperos que Portugal, apenas precisaram de sete estádios, dos quais dois novos. O Euro 2008, a realizar na Áustria e na Suíça, igualmente bem mais prósperos que Portugal, vão usar apenas oito estádios, aproveitando os recursos existentes, sendo apenas um, o da final, com capacidade para mais de 50000 pessoas.


O nosso país precisou de dez estádios, dos quais oito novos, sendo três deles com capacidade semelhante ao recinto da final do Euro 2008. Gastámos mais de mil milhões de euros de investimento público total, representando uma fatia importante desse investimento os empréstimos contraídos pelas sete autarquias que acolheram o Euro no valor de 290 milhões de euros para financiar obras relacionadas com o campeonato. Na sequência destes empréstimos, as câmaras terão que pagar juros no montante de 69,1 milhões de euros nos próximos 20 anos, sendo realmente questionável se os apoios públicos ao campeonato não poderiam ter tido uma utilização mais eficiente noutras áreas.


No entanto, o Euro 2004 teve um impacto líquido sobre a Economia Portuguesa positivo, apesar de pouco significativo. De acordo com o estudo sobre a Avaliação do Impacto Económico do Euro 2004, coordenado por Manuel Victor Martins, do ISEG, para o período de realização do campeonato, a produção terá aumentado em 1906,1 milhões de euros, representando uma contribuição para o produto interno bruto (PIB) de apenas 0,11% em 2002 e 2004 e de 0,32% em 2003. Para além disso, há efeitos positivos que nunca os iremos quantificar com exactidão e que têm a ver com o reforço da imagem positiva do país no Exterior, fruto da boa organização do evento e da venda directa de Portugal como marca, directamente nos países participantes e indirectamente através dos meios de comunicação.


Assim sendo, não vejo razões para a candidatura conjunta à organização do Mundial de Futebol não avançar. Mesmo que acreditemos, como eu e como o Presidente da República, que poderíamos ter gasto menos dinheiro com o Euro 2004, essa situação é completamente irrelevante para a organização do Mundial. Os custo passados e não recuperáveis não relevam nesta decisão. O país tem apenas que pesar os benefícios e os custos da organização deste evento. Se conseguirmos efectuar uma candidatura com baixos custos, em que não se construam mais estádios e em que se rentabilize os já existentes, muitos deles com graves problemas operacionais, associados às baixas receitas geradas, a decisão parece-me óbvia: devemos procurar organizar o evento.


Curiosamente, num estudo de opinião da Eurosondagem, realizado uma semana depois de Cavaco Silva ter afirmado que o país tem "outras prioridades", 63% dos inquiridos consideram que o Campeonato do Mundo seria bem vindo, estando apenas 22% contra esta ideia. Estes números revelam a paixão pelo futebol por parte dos portugueses, mas também que existe a percepção clara que uma eventual candidatura conjunta com Espanha à organização do Mundial não é um projecto megalómano, mas antes uma forma de rentabilizar os investimentos efectuados para o Euro.


Esta é também a minha opinião: numa candidatura conjunta, não teríamos que construir mais nenhum estádio, mais nenhuns acessos, mais nenhuma infraestrutura, bastaria utilizar todos os recursos que agora dispomos. Penso que as autoridades portuguesas não deveriam perder muito tempo a discutir este assunto, mas antes esforçarem-se para convencer “nuestros hermanos” a se envolverem activamente neste projecto. E agora que o assunto começa a ser discutido com alguma seriedade na nossa vizinha Espanha e que já existem algumas pressões do sector do turismo para a ideia avançar, esta é a hora certa para o lobbying funcionar. Boa Páscoa!

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