A verdade é que esse efeito ópio parece ser comprovado pelos dados: as pessoas reagem ao aumento da carga fiscal com um aumento do consumo de futebol. Curiosamente, nesta altura, o governo começou a anunciar o fim da crise e a reduzir a carga fiscal dos portugueses, a pouco tempo do início do Euro2008. Se este estudo estiver correcto, o governo deverá parar, em breve, o anúncio de boas novas, recomeçando a gestão do ciclo político só depois de finalizado o efeito do Europeu.
Em tempos de abertura e globalização econômica, o esporte – de modo geral – está se transformando num gigantesco fenômeno social, político e financeiro. Seja pelo progresso tecnológico, arrefecimento do fator emprego ou outras razões (culturais, etnográficas, etc.), o trabalho tem assumido cada vez menos tempo na vida do homem, enquanto tem crescido o tempo despendido com modalidades de diversão e lazer (OFFE, 1996). (...) Afora tais estatísticas, o futebol é também conhecido como a alegria do povo. Pelo menos para o povo brasileiro. Quem viu o filme “Garrincha, a alegria do povo” (produção brasileira de 1965, de Luiz Carlos Barreto e Armando Nogueira), que mostra a trajetória do jogador Garrincha, com sua capacidade para encantar os fãs do futebol com suas pernas tortas e o extraordinário talento para surpreender os adversários, pode corroborar esta forte ligação do povo brasileiro com o futebol. Fonseca (2003), em breve alusão à temática supracitada, avalia que a imagem do Brasil no exterior está associada a noções de modernidade (Brasília), informalidade (jeitinho brasileiro), alegria (carnaval, festas), cordialidade (hospitalidade, generosidade) e, é claro, criatividade (consubstanciada mormente no futebol). Mas é também o futebol válvula de escape para as mágoas do brasileiro? Na verdade, a “alegria do povo” supõe, de certa forma, o uso do “futebol” como válvula de escape. Neste sentido - e é onde este estudo pretende chegar - quem viu o filme “Prá frente Brasil” (produção brasileira de 1983, de Rogério Farias), que mostra o Brasil inteiro torcendo e vibrando com a seleção de futebol na Copa do México (1970), enquanto prisioneiros políticos são torturados nos porões da ditadura militar e inocentes são vítimas desta violência, entende muito bem esta relação futebol-válvula de escape. (...) O início do futebol brasileiro data de 1894, quando Charles W. Miller, nascido no bairro do Brás (São Paulo), descendente de ingleses e escoceses, retornando de seus estudos na Inglaterra, trouxe a primeira bola de futebol para os campos brasileiros (SALDANHA, 1971). A partir daí o futebol no Brasil, além de ser uma prática esportiva propriamente dita (com suas regras, campeonatos, glórias e inglórias), tem sido também a encenação do drama da sociedade brasileira (Roberto Damatta, citado por SOCIOLOGIA do esporte, 2004). (…)Daolio (2004) apresenta uma compreensão do futebol brasileiro a partir de uma análise cultural, na qual este esporte aparece como uma forma que a sociedade brasileira encontrou para se expressar. Trata-se, pois, de uma maneira do brasileiro extravasar suas características emocionais, quais sejam, paixão, ódio, felicidade, tristeza, prazer, dor, fidelidade, resignação, coragem, fraqueza, etc. Não obstante, este mesmo autor nega o futebol enquanto apenas manifestação lúdica do homem brasileiro, nem tampouco é o ópio do povo. (...) Contudo, é inevitável a pessoa afirmar ser o futebol uma diversão alienante, servindo para obscurecer a atenção do povo dos seus problemas fundamentais, funcionando como parte do tradicional binômio romano panes et circences (“pão e circo”). (...) Feitas estas considerações, passemos ao argumento principal deste artigo: o que a teoria da Escolha Pública diria em termos do futebol e de sua relação com a economia política? A resposta consiste, basicamente, em oferta e demanda. Em nossa análise de equilíbrio parcial, indivíduos podem trocar protestos contra avanços arrecadatórios do governo por lazer que, no caso, é o futebol. Sucintamente, indivíduos podem escolher entre trabalho e outras atividades. Neste artigo supõe-se que as outras atividades possam ser divididas em “protestos contra impostos” e “atividades escapistas” (o futebol). Políticos podem perceber a chance de se incentivar práticas esportivas (incentivos a práticas esportivas em governos ditatoriais são abundantes na história. Somente para lembrar dois exemplos, pense o leitor em Cuba e na Alemanha nazista) para evitar protestos contra a exploração promovida através de impostos. Isto é economicamente razoável quando se considera que sair em uma passeata de protesto possui custos concentrados (sobre seus membros) e benefícios dispersos (incluindo muito mais gente do que apenas os componentes da passeata). Por sua vez, ir a um jogo de futebol, por exemplo, é um ato privado, no qual os indivíduos arcam com custos e benefícios da partida. Assim, sindicalistas se comportam de forma perfeitamente compatível com a racionalidade econômica prevista se procurarem evitar que greves tenham dias/ horários agendados, e que sejam próximos e/ou sobrepostos aos de partidas de futebol de importância para a população local. Assim, coeteris paribus, é razoável que um esporte popular como o futebol seja encarado como válvula de escape para um aumento da carga tributária. (...) (...) Nosso modelo postula uma relação de substituição entre “ir ao estádio de futebol” e “protestar contra aumentos de impostos”. O mecanismo de transmissão, portanto, seria o de, controlando por demais fatores, observar uma relação positiva entre aumentos da variável “montante de impostos” e “presença no estádio”. (...) Cientistas sociais (que não economistas) têm insistido, em diferentes ocasiões sobre a máxima romana do panes et circenses. Acusam, normalmente, o futebol de ser utilizado (pelo Estado) para fins de “alienação”. Embora seja distinto do argumento utilizado aqui, é uma hipótese similar. Observe-se que não se diz que indivíduos não possam se reunir e tentar alterar as políticas econômicas. Diz-se, isto sim, que uma das motivações de se comparecer ao estádio de futebol é devido ao efeito ópio.
in SHIKIDA, C. D.; SHIKIDA, P. F. A: “É o futebol o ópio do povo? Uma abordagem
econômica”, Rev. Ciên. Empresariais da UNIPAR, Umuarama, v.7, n.1, jan./jun, 2006
Este artigo publicado numa revista de ciências empresariais tenta comprovar empiricamente a relação que existe entre o aumento de impostos e o número de espectadores no estádio de futebol. Apesar do método usado pelos autores ter algumas lacunas, a verdade é que esse efeito ópio parece ser comprovado pelos dados: as pessoas reagem ao aumento da carga fiscal com um aumento do consumo de futebol. Curiosamente, nesta altura, o governo começou a anunciar o fim da crise e a reduzir a carga fiscal dos portugueses, a pouco tempo do início do Euro2008. Se este estudo estiver correcto, o governo deverá parar, em breve, o anúncio de boas novas, recomeçando a gestão do ciclo político só depois de finalizado o efeito do Europeu. Qualquer governo que se preze em qualquer parte democrática do mundo deve saber gerir, em simultâneo, os ciclos económicos e os políticos. Esta equipa ministerial tem sido exímia nesta tarefa. De certeza que vamos ter um país de férias no Euro2008, sem novidades, sem anúncios, sem preocupação de eleições. Isto porque o povo estará deleitado a consumir uma das actividades de lazer que mais gosta: o futebol...!
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