terça-feira, 11 de dezembro de 2007

FUTECONOMÊS *


A FIFA e a UEFA são os reguladores da concorrência no mundo do futebol, procurando que a verdade desportiva prevaleça e que não haja os chamados comportamentos de acordo tácito entre clubes. Assim sendo, não se compreende este fantástico modelo de competição para a Taça UEFA, que permite que uma equipa folgue na última jornada, em que tudo se pode decidir.




NUNO MOUTINHO
Professor da Faculdade de Economia do Porto (FEP)




A "teoria dos jogos" é um ramo da matemática, desenvolvido a partir da década de 40 do século XX, tornando-se numa das mais importantes áreas de investigação científica, com implicações determinantes na análise económica, ciência política, biologia, direito, relações internacionais e filosofia. Ficou popularizado recentemente pelos filmes “Uma Mente Brilhante” (2001) e “Jogos de Guerra”(1983). O nome “teoria dos jogos” advém do facto das suas raízes estarem em jogos como o poker ou o jogo do galo. No entanto, foi na Segunda Grande Guerra que se desenvolveu em áreas como a logística, a guerra submarina e a defesa aérea, para depois se estender às ciências sociais, depois da publicação, em 1944, da obra “The Theory of Games and Economic Behavior”, de John von Neumann e Oskar Morgenstern. Nessa altura, a teoria dos jogos colocou um desafio ao economista: encontrar estratégias racionais em situações em que o resultado depende não só da estratégia própria de um agente e das condições de mercado, mas também das estratégias escolhidas por outros agentes que possivelmente têm estratégias diferentes ou objectivos comuns.


E perguntará o leitor: mas o que é que isto tem a ver com futebol? A resposta é simples: tudo! Falar em futebol é falar em interdependência e falar em interdependência é falar em teoria dos jogos. Os treinadores de futebol, alguns sem o saberem, são verdadeiros especialistas em teoria dos jogos: ao decidirem da melhor forma a sua acção têm forçosamente de considerar como é que os restantes indivíduos irão actuar. Já agora, diga-se que cada acção planeada por um treinador é a táctica, enquanto que um conjunto de acções definidas com vista a obter o melhor resultado possível é a estratégia, conceitos estes que são trocados e erroneamente aplicados. A teoria dos jogos estuda as soluções ou equilíbrios possíveis em situações de conflito de interesses. Grande parte dos jogos são de soma nula, em que o que um jogador ganha é o que outro perde, e em que nada se ganha com a comunicação prévia entre jogadores. No entanto, a maior parte dos jogos são aqueles em que se podem formar várias coligações entre os jogadores, podendo haver comunicação ou pagamentos laterais, e em que a conjugação de esforços pode melhorar a solução para todos. Estes jogos designam-se por cooperativos e são uma verdadeira dor de dabeça para os reguladores da concorrência. Há muito tempo que um dos maiores desafios para o Direito Concorrencial é saber como lidar com os chamados casos de colusão tácita, nos quais as empresas num mercado oligopolista seriam capazes de alcançar um resultado mercadológico supracompetitivo semelhante ao de um cartel ou monopólio, mas sem a necessidade de celebração de um acordo expresso. E finalmente, chegámos ao cerne da questão...


A FIFA e a UEFA são os reguladores da concorrência no mundo do futebol, procurando que a verdade desportiva prevaleça e que não haja os chamados comportamentos de acordo tácito entre clubes. Assim sendo, não se compreende este fantástico modelo de competição para a Taça UEFA, que permite que uma equipa folgue na última jornada, em que tudo se pode decidir. É inacreditável que um organismo que obriga a que as jornadas decisivas de cada grupo da Liga dos Campeões ocorram em simultâneo se comporte desta forma. Basta olhar para o grupo do Braga, para reparar que uma aliança entre clubes pode acontecer – e essa aliança não precisa de ser contratualizada, simplesmente acontece porque é vantajoso para quem está a jogar – e eliminar o clube que folga, neste caso, o Bolton. Este modelo só tem uma justificação: alguma indiferença por parte do regulador da Taça UEFA, pelo menos nesta fase da competição. Sim, porque não custaria muito arranjar forma dos grupos terem número par e evitar situações destas! Os princípios básicos da teoria dos jogos foram violados pela UEFA e não há dúvidas sobre o que pode acontecer: perante os acontecimentos, as equipas adaptarão os seus comportamentos para se manterem em prova, em detrimento do fair-play e da verdade desportiva! Mas, pelos vistos, “who cares”?



*
Excepcionalmente, a crónica de Nuno Moutinho, que acima apresentamos, é publicada hoje e não dia 15 (sábado), como é hábito acontecer todos os meses.

Sem comentários: